A NOVELA: LEITURA E ESCRITA NUM ESPAÇO-TEMPO DIFERENTE NO JOGO DO FUNCIONAMENTO DA LÍNGUA
Perciliana Pena
Doutoranda em Educação - UNICAMP/SP
Professora do Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM).
Zeila Miranda Ferreira
Doutoranda em Educação – USP/SP
Professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Este trabalho tem por objetivo, relatar a experiência do processo de escrita de uma telenovela - O Encontro, a partir do conto de Luís Fernando Veríssimo, produzida na E.E. Visconde de Ouro Preto, Araguari - MG. O roteiro, os ensaios, os cenários, os figurinos, a maquiagem, a filmagem e toda a produção foi feita pelos alunos, de 1ª a 8ª séries do Ensino Fundamental, com o apoio de professores, coordenadores e da comunidade. Junto com o trabalho de diversos tipos e gêneros de textos, visando a construção da noção fundamental de texto, tanto a do escrito social como a do escrito utilitário, não se poderia negligenciar o poder funcional e formador do imaginário. Foi sugerida a novela, narrativa breve e compacta, que permite uma escrita individual no leque das narrativas ficcionais e colocam em jogo o funcionamento poético da língua: conto, romance e outras narrativas, que precisam de um trabalho diferente no tempo e no espaço escolar. Além disso, é um tipo de texto pouco ou nunca estudado nas salas de aula, em relação a outros gêneros literários, amplamente explorado nos manuais e fichários escolares, na imprensa infanto-juvenil e mesmo em certos materiais didáticos. No que concerne à ficção científica, essa escolha pareceu justificada pelo fato de que se, para crianças, adolescentes e adultos, a novela é encontrada na televisão, no cinema e nas revistas em quadrinhos, muito raramente eles têm a oportunidade de encontrar esse assunto na literatura. Os alunos tiveram a oportunidade de aprender, com a especificidade desse texto: a descoberta do poder de criar um mundo por meio de palavras; o reconhecimento da estrutura e da dinâmica que leva á abertura e ao fechamento da narrativa; o planejamento das tarefas da leitura e escrita; a construção lógica e coerente da narrativa; a escolha e o emprego de um sistema coerente de tempos verbais; a consciência e o domínio da ordem cronológica; o lugar relativo da narrativa, das descrições e dos diálogos, entre outros. É apaixonante e formador para a personalidade, promover a vivência dos alunos, no trabalho de uma mesma realidade em sua dupla dimensão: por um lado, no domínio conceptual e científico, por outro, no domínio imaginário e poético.
Um mapa do mundo que não inclua a Utopia nem sequer merece um olhar, pois ignora o único condado em que a Humanidade atraca sempre antes de içar as velas em busca de uma terra melhor.
Oscar Wilde
Através de sonhos e utopias, foi possível transitarmos para atos, atitudes e atividades constitutivas do pensamento criativo, capaz de transformar a realidade com a força da imagem ideal, com a consistência da argumentação sólida e irrefutável. Os alicerces epistemológicos sólidos de uma teoria foram capazes de refletir a realidade, buscando compreender e explicar os fatos sociais, inserindo os alunos-sujeitos em busca de uma prática pedagógica emancipatória.
Na sociedade contemporânea, as rápidas e várias transformações que se apresentam na organização do mundo do trabalho, o avanço e desenvolvimento de novas tecnologias configuram a sociedade virtual. A área educacional, inserida nessa sociedade em transformação, termina por balizar decisões e orientações a partir das mesmas, aumentando os desafios, no sentido de efetivar uma conquista democrática. Assim, indubitavelmente,
“o desafio é educar as crianças e jovens, propiciando-lhes um desenvolvimento humano, cultural, científico e tecnológico, de modo que adquiram condições para enfrentar as exigências do mundo contemporâneo. Tal objetivo exige esforço constante de diretores, professores, funcionários e pais e alunos e de sindicatos, governantes e outros grupos sociais organizados” (Pimenta; Anastasiou, 2002, p. 12)
E, num somatório de esforços, determinação e muita ousadia, a escola e seus profissionais apoiados financeiramente pelo Banco Mundial, através da Secretaria Estadual de Educação construiu seu próprio projeto pedagógico, buscando enfatizar as necessidades e peculiaridades da unidade escolar. A construção coletiva do projeto ainda é um desafio para muitas escolas e, quando isso ocorreu na E. E. “Visconde de Ouro Preto”, pode-se perceber uma maior flexibilização, democracia e autonomia, pautando–se de forma veemente, na ação-reflexão-ação.
No quadro das políticas de apoio às propostas de inovação curricular nas escolas públicas de Minas Gerais foi constituído o Programa de Apoio a Inovações Educacionais –PAIE – que aborda questões especificamente pedagógicas, sustentando ações dedicadas a implantar projetos inovadores em que, sobretudo, a autonomia escolar seja incentivada e que os princípios de um currículo democrático seja pautado não só na elaboração de propostas pedagógicas pelo coletivo mas, que se orientem por critérios pedagógicos voltados para uma educação inclusiva, para formação do cidadão.
Nessa perspectiva, como um sub-programa do PAIE emerge o Programa de Desenvolvimento Curricular – PRODEC – que tem por centralidade a formação continuada inserida no contexto escolar cotidiano, onde sentidos e significados sejam produzidos pelos sujeitos alunos-professores e comunidade. O grande avanço desse programa é o de justamente possibilitar que a partir do diagnóstico da realidade escolar, considerada singular, sejam elaborados projetos de intervenção coletivos. A partir daí, passam a contar com uma assessoria pedagógica externa, escolhida através de licitação e da avaliação do melhor projeto que contemple e implemente ações inovadoras propostas pelo projeto da escola.
Concomitante à elaboração do projeto e da contratação da assessoria pedagógica externa, há uma disponibilização de recursos e condições materiais garantida para que o mesmo seja concretizado através de verbas específicas. Assim, investir na formação continuada dos professores é condição sine qua non, entretanto, assegurar recursos financeiros viabiliza e pode ser considerado como um dos facilitadores nas mudanças de práticas docentes, posto que isso implica em ressignificar a escola, o modo de ensinar, de aprender...
Conforme Odiná Tomaz da Silva e Moraes, diretora da E. E. “Visconde de Ouro Preto” no livro “Versos, Prosa e Arte”[1], (2001, p.31):
“Através das várias atividades desenvolvidas, despertamos o gosto pela leitura, desenho, artes cênicas e produções, resgatando assim sua auto estima, embasada numa educação inclusiva. (...) Implantar e desenvolver um projeto tão arrojado foi para nós um desafio que proporcionou inovações que superaram nossas expectativas, divulgando o nome da Escola, tornando-a conhecida, valorizada e respeitada por toda a sociedade. Eis aqui o resultado de um trabalho comprometido e pautado nos princípios da democracia, e da participação coletiva, envolvendo professores, especialistas, servidores, estudantes e toda a comunidade Araguarina na construção de valores voltados para o respeito à vida, à solidariedade e cidadania.”
O projeto buscou de forma prazerosa, despertar em todos os envolvidos, sentimentos positivos frente aos desafios que são colocados, quer seja pela reorganização do espaço, quer seja pela reorganização do tempo escolar, através da pedagogia de projetos, planejamento e muito trabalho fizeram, assim uma transformação vitoriosa.
A partir de programa de capacitação dos professores elaborado pela direção da escola e a Consultoria Pedagógica, os professores desenvolveram ações educacionais que uniam a teoria à prática e o prazer ao processo ensino-aprendizagem. Os alunos, diante do grande desafio de conquistarem a autonomia para enfrentarem as agruras da sociedade moderna, desenvolveram competências, construíram a liberdade, resgataram a auto-estima.
A formação continuada em serviço dos professores, foi iniciada com fundamentação teórica que explicitava a validade de um trabalho interdisciplinar, no sentido de que a nova realidade social do mundo de trabalho requer habilidades globais. A partir de então, várias estratégias de ação foram eleitas, tais como a hemeroteca, (conjunto de jornais, e outras publicações periódicas organizadas e classificadas para estudo ou consulta), o jornal, concurso para escolha do nome e do logotipo do jornal, concurso literário e de fotografia, a publicação de um livro, a proposição de simular uma empresa de comunicação, feita pelos Consultores Pedagógicos do projeto, com equipes de telejornalismo, telenovelas, rádio-novela, rádio-jornalismo, publicidade, entre outras.
No relato dessa experiência, será focado apenas o trabalho literário e algumas atividades de leitura e produção da escrita de novelas. Num espaço-tempo escolar diferente, foi desenvolvido entre professores e alunos da E. E. Visconde de Ouro Preto, a redação e produção de uma novelas escolhidas pelos alunos: O Encontro - uma adaptação do conto de Luís Fernando Veríssimo.
NOVELAS (Ficção Científica)
Introdução
Esse trabalho permitiu que cada aluno começasse a construir para si a noção fundamental de texto, tanto a do escrito social como a do escrito utilitário.
Ao lado desses tipos de textos, não se poderia negligenciar o poder funcional e formador do imaginário. Escolheu-se a “novela” no leque das narrativas ficcionais que colocam em jogo o funcionamento poético da língua: conto, romance e outras narrativas que precisam de um trabalho no tempo.
Por que a novela e não o romance e por que a abordagem dessa atividade?
Se a produção de romances fez sua estréia na escola, dando lugar na maior parte das vezes a trabalhos de redação muito longos e geralmente coletivos, a novela, narrativa breve e compacta, permite, ao contrário, uma escrita individual. Além disso, é um tipo de texto pouco ou nunca estudado nas classes, em relação ao conto, amplamente explorado nos manuais e fichários escolares, na imprensa infantil e mesmo em certos materiais didáticos.
No que concerne à ficção científica, essa escolha pareceu justificada pelo fato de que se, para os alunos, ela é encontrada na televisão, no cinema e nas revistas em quadrinhos, muito raramente eles têm a oportunidade de encontrar esse assunto na literatura.
O fundamento científico e técnico sobre o qual irá agir a imaginação, neste gênero literário, faz com que pareça necessário considerá-lo, nas classes, como um desenvolvimento, um complemento necessário às atividades realizadas nas disciplinas científicas e tecnológicas inscritas no currículo. É quase impossível imaginar uma ficção com alguma consistência nessas áreas, sem que se possua um certo conhecimento da realidade. Portanto, se a nova proposta está chegando tarde, ela já fez parte da programação de todo um ano que se passou a lutar com os textos.
Objetivos
O aluno desenvolverá um número de atividades que promoverão discussões e conhecimentos relacionadas com a especificidade desse tipo de texto, visando:
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descobrir o poder de criar um mundo por meio das palavras;
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reconhecer a estrutura e a dinâmica que leva à abertura e ao fechamento da narrativa;
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planejar a tarefa de escrita;
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construir com lógica e coerência a narrativa;
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escolher e empregar um sistema coerente de tempos verbais;
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desenvolver a consciência e o domínio da ordem cronológica;
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identificar o lugar relativo da narrativa, das descrições e dos diálogos.
Metodologia: situações favoráveis
Os alunos familiarizaram-se com os diversos estilo e gêneros literários, integrando-se a todas as atividades feitas em classe e fora dela. Foi solicitada permanentemente a interação ler-escrever e isso concluiu, entre outros gêneros, o da novela. As biblioteca disponíveis - a municipal, da escola e da classe - devem incluir, entre as diferentes obras que oferecem, narrativas de ficção científica, permitindo que os que o desejarem tenham um primeiro encontro com as histórias de antecipação.
Foram muitas as ocasiões de solicitar a imaginação dos discentes, de fazê-la expressar-se, de cultivá-la. O enfoque de despertar, que preside a todas as atividades científicas, certamente abre as janelas sobre a realidade, mas também permite lançar uma ponte para o fantástico e para a ficção. Estaríamos errando não os utilizando, pois é apaixonante e formador para a personalidade fazer as crianças trabalharem uma mesma realidade em sua dupla dimensão: por um lado, no domínio conceptual e científico, por outro, no domínio imaginário e poético.
Os alunos, após escreverem suas novelas, escolheram o grupo no qual gostariam de trabalhar para a produção da telenovela: redatores finais do texto, produtores, atores, cenários, figurinos, artes plásticas, locais de gravação, publicidade, filmagem e edição.
Especificamente sobre as atividades com os textos das novelas escritas pelos alunos, foram observados alguns aspectos sobre a preparação do professor, referentes à representação da novela para esse, a situação de comunicação, o produto final da telenovela, a superestrutura de conjunto, a lingüística do texto e da frase, que serão explicados no próximo item.
Preparação do professor
Para o desenvolvimento das atividades com o texto da novela, o professor, conforme orientações de Jolibert, (1994, p 143), preparou-se, considerando os seguintes aspectos:
[1] - O livro “Versos, Prosa e Arte”, constitui em uma das ações empreitadas pelo projeto. Esse produto de significativo valor para a memória bem como para a divulgação do trabalho da escola consolida outras ações e subprojetos, tais como: divulgação do resultado do concurso literário, divulgação das fotografias selecionadas no concurso, texto dos consultores pedagógicos, da coordenadora, da diretora, avaliação dos resultados do projeto, depoimentos de pais, alunos e comunidade em geral.


Análise em comum das características de tipo de texto
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Estrutura do texto
A fim de resgatar as etapas que iriam permitir achar a estrutura da narrativa, o professor propôs aos alunos que preenchessem o seguinte quadro, tendo como base uma novela escolhida entre os textos já lidos (trabalho em pequenos grupos).
“Resuma o texto lido, com uma ou duas frases”.
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Frase(s) proposta(s):
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Estado Inicial: começo
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Estado Final: final
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O Que Acontece:
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O Que Mudou (entre os dois):
Preenchidas as frases, organizaram-nas em quadros, que foram afixados, devendo os alunos descobrir o título de texto lido e resumido pelas outras. Isso nada mais foi do que um pretexto, sendo o objetivo essencial resgatar a estrutura da narrativa. Os alunos tomaram consciência da existência de um “estado inicial” transformado por uma dinâmica de eventos que leva a um “estado final”.
Foi na seqüência do trabalho da análise que foi elaborado o esquema de estrutura, chamado de Esquema Quinário , afixado em classe e copiado sob a forma de ficha individual. Pode-se dizer que esse esquema é um instrumento insubstituível, com diversas vocações.
Inicialmente, o educando utilizou-o para construir a trama de acontecimentos, o argumento de sua história; depois, na fase do colocar em texto, constituiu uma referência permanente, garantia da coesão da narrativa. Também serviu de “grade de re-leitura” tanto para o aluno como para terceiros; finalmente, foi um dos instrumentos de avaliação final da narrativa produzida.
Se o esquema de estrutura parece ser primordial para facilitar a tarefa de escrita, outros instrumentos completaram com eficácia a caixa de instrumentos do aluno “escritor”. O teatro da ação, o número e as principais características dos personagens também foram objeto de definições prévias. A grade de leitura proposta pelo professor permitiu que cada um operasse as escolhas que o guiou nesta aventura solitária que é escrever uma narrativa ficcional. Poder-se-á até mesmo considerar o preparo de uma ficha por personagem, com o risco de ter de estruturá-lo ou revê-lo durante o andamento.
Referências bibliográficas
JOLIBERT, Josette (coord). Formando crianças produtoras de textos. Porto Alegre: Artmed, 1994.
PIMENTA, S. G., ANASTASIOU, L. G. C. Docência do ensino superior. São Paulo: Cortez, 2002.
HELD, J. A imaginação no poder. São Paulo: Summus (s.d)
_______. Conhecer e escolher livros para crianças. Paris: Ouvrières, 1992.
RODARI, G. Gramática da fantasia. São Paulo: Summus, 1993.
VERÍSSIMO, L.F. Amor brasileiro. Porto Alegre: L&PM, 1987

