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A Docência Na Educação de Jovens e Adultos: saberes em questão

Zeila Miranda Ferreira  

Perciliana Pena 

Este trabalho consistiu em apresentar resultados e reflexões decorrentes de uma investigação que teve como objetivos verificar de que modo os conhecimentos profissionais e didático-pedagógicos, estudados especificamente na Pedagogia, contribuíam para que o professor da Educação de Jovens e Adultos, efetivasse uma ação pedagógica competente, reflexiva e inovadora.


Investigou-se até que ponto as docentes levavam em conta, em sua prática profissional, os aspectos pedagógicos, afetivos, cognitivos, sociais e éticos estudados na formação inicial, assim como a influência dessa ação pedagógica nas condutas e atitudes dos alunos durante as aulas. 


Optou-se pela abordagem qualitativa de pesquisa, considerando que as pessoas agem em função de suas crenças, conhecimentos e valores, determinando comportamentos que não são fáceis de serem interpretados. O enfoque interpretativo permitiu situar a ação pedagógica das professoras na sua realidade social, que é dinâmica e está em constante modificação.


A coleta de dados foi através da observação participante, entrevistas e análise documental, desenvolvidas por alunos do 6º período do curso noturno de Pedagogia da Faculdade do Noroeste de Minas - FINOM - Paracatu - MG, em 2001. 


Os sujeitos do estudo foram dez professoras de alfabetização e dos anos iniciais do ensino fundamental em cursos de educação de jovens e adultos, das redes municipais de ensino das cidades de Paracatu, Unaí, João Pinheiro e Guarda-Mor, localizadas no noroeste de Minas Gerais. 


Os resultados indicaram que a formação nos cursos de Pedagogia, nos quais se habilitaram as professoras participantes deste estudo, não contribuiu de modo satisfatório para que elas se desenvolvessem como profissionais preparadas para atuarem na complexidade da sala de aula.


Conclui-se que é  urgente a revisão da proposta de formação inicial dos professores, transformando-a num saber-fazer permanente. A prática pedagógica deve ser uma ação consciente e, para que se efetive, a formação inicial e contínua devem se complementar, sendo construídas nos parâmetros de desenvolvimento de competências, visando formar um profissional-professor ético, autônomo, reflexivo e capaz de agir nas complexas circunstâncias do contexto educacional.

Palavras chaves: 

Formação inicial e continuada   -   Profissional reflexivo   -    Prática docente.

Introdução
Dada a importância de que se reveste o papel desempenhado pelo professor no desenvolvimento de capacidades e competências cognitivas e metacognitivas de seus alunos, pareceu necessário pesquisar a questão da formação de professores, seja ela inicial ou contínua, respeitando-se suas especificidades, com o intuito de discutí-la. 


Não se tem dúvidas dos problemas atuais e das dificuldades enfrentadas por profissionais da educação, especialmente na prática docente. Porém, as discussões sobre a realidade educativa, precisam ser constantes na ação docente, na tentativa de buscar soluções e ações a serem desenvolvidas, juntamente com os alunos, no cotidiano na sala de aula. Sem a compreensão do que se faz, sem as competências necessárias para desenvolver o conhecimento nos diversos âmbitos, sem a consciência do saber pensar e refletir e, sobretudo, sem a vontade de buscar inovações e mudanças no desempenho de seu trabalho, a ação pedagógica do educador não passa da mera reprodução de conteúdos e atividades definidas por outrem.  


Portanto, este trabalho teve como objetivos, contribuir, de forma geral, com os profissionais da educação, discutindo e analisando a formação de educadores, através da proposta de investigar quais eram os saberes profissionais e didático-pedagógico dos professores egressos dos cursos de Pedagogia, que lecionavam nos quatro primeiros anos do Ensino Fundamental na Educação de Jovens e Adultos - EJA. 


Em princípio, teve como problema: 
A formação inicial em Pedagogia, habilita o professor da EJA para exercer com competência e atitude reflexiva, uma prática pedagógica eficiente nas séries iniciais do Ensino Fundamental? 

Porque investigar os saberes docentes...


A justificativa para a escolha do tema sobre os saberes docentes do professor da EJA, dos anos iniciais do Ensino Fundamental, partiu das inquietações das autoras, por observarem na situação educativa, algumas contradições na prática pedagógica de professores. Notava-se que alguns docentes atuavam com certo “descaso” e “comodismo” em suas ações didático-pedagógicas, assim como não dominavam, aplicavam pouco ou quase não utilizavam, na prática profissional, os saberes pedagógicos teóricos e práticos adquiridos em sua formação inicial, que deveriam melhor preparar o educador para desenvolver o papel de um professor mais competente e comprometido no exercício de suas funções profissionais. 


No entanto, muitos docentes não pareciam dominar aqueles conhecimentos didático-pedagógicos em suas ações e atitudes na sala de aula, além de não se preocuparem em usá-los nem que fosse para organizarem melhor seu trabalho. A partir dessa constatação, pergunta-se:


•    Por que os professores não lançavam mão desses conhecimentos pedagógicos nas suas intervenções educativas, se eles os estudaram no curso de Pedagogia e, a princípio, deviam dominar e empregar esses saberes na sua prática? 


•    O que se pode esperar, então, desse professor cuja ação docente parecia resistir à compreensão de que era possível melhorar as condições pessoais e adquirir as competências profissionais necessárias para aperfeiçoar sua prática pedagógica? 


•    Qual era a concepção de cidadão desse professor, se sua ação pedagógica estava longe de cumprir o seu papel social - “ensinar para aprender”, assim como propiciar aos seus alunos oportunidades de “aprender a aprender”? 

Porque estudar o curso de Pedagogia...


A escolha do curso de Pedagogia enquanto graduação inicial, justificou-se pela compreensão de que nesse curso, especificamente, o aluno deveria adquirir técnicas, conhecimentos próprios e específicos para utilizar na sua ação docente, pois entende-se que a Pedagogia estuda, expressa e conhece as diferentes  manifestações da educação como prática social.


Nesse sentido, o período de formação inicial foi entendido, neste trabalho, como fundamental para a aquisição de alguns saberes pedagógicos específicos para os alunos, assim como importante na definição da profissão, tanto por docentes, quanto por alunos. O futuro professor da EJA, a partir desse contexto, poderia desempenhar um papel essencial na construção de sua profissionalidade, numa perspectiva crítico-reflexiva, proporcionando aos seus alunos dos anos iniciais, as oportunidades de contato com os meios de pensar mais autônomos e participativos. 


Diante dessas circunstâncias, pergunta-se:
•    Qual seria, então, o papel a ser desempenhado pela Pedagogia na formação do profissional-professor e dos seus alunos, aprendentes da profissão?  


•    Quais seriam os saberes que a formação em Pedagogia deveria proporcionar para a formação de um profissional-professor da EJA, autônomo, reflexivo e participativo?   


Acredita-se que as questões aqui colocadas, sobre o curso de Pedagogia, os alunos e professores, os poucos estudos existentes sobre esses temas, conforme demonstraram as estatísticas apresentadas por Marli Afonso de André , no período de 1990 a 1998, justificaram e confirmaram a necessidade de estudos, pesquisas e ações mais efetivas sobre o processo educativo, principalmente no que diz respeito à formação inicial e contínua dos professores. 


As diretrizes teóricas do estudo...
As autoras partiram de uma perspectiva crítica, histórica, política e social do sistema educativo, entendendo-o como um processo que envolve questões relacionadas com o ensino e a aprendizagem, fundamentadas numa concepção de ciência, mundo e homem dinâmicos, ativos e dialéticos, que explicam e facilitam a compreensão global do processo educativo e abrem espaço para uma discussão que vai muito além da simples análise de regras didáticas. O ensino e a aprendizagem são considerados processos nos quais se inter-relacionam professores e alunos, sendo esses processos, portanto, responsabilidade de ambos. 


Pérez Gómez(1998), Gimeno Sacristán(1995), Alarcão (1991a, 1996), Pimenta (1999), Zeichner (1987), entre outros, estudam e analisam as questões da formação inicial e contínua e, consequentemente, da prática docente. Esses autores contribuem para a compreensão de que a reflexão é uma prática social que deve ajudar ao docente a aprender, a compartilhar conhecimentos, a ensinar e a pensar com e sobre a escola, analisando a realidade de construção do ensino e da aprendizagem. Nesse sentido, Nóvoa (1991), ressalta que “a formação deve estimular  uma perspectiva crítico-flexiva, que forneça aos professores, os meios de um pensamento autônomo e que facilite  as dinâmicas de autoformação participada.”  


John Dewey (1989), que propôs as concepções sobre o pensamento reflexivo do professor, diz que ser reflexivo, é desenvolver uma forma especial de pensar, que depende somente do indivíduo. O profissional precisa ter uma forte vontade, ativa, persistente e rigorosa naquilo que acredita ou no que normalmente pratica, manifestando os motivos que justificam as suas ações ou convicções e que iluminam as consequências a que conduzem. Nesse sentido, o aluno, na formação inicial, também, precisa mudar sua postura, sair do comodismo de espera tradicional pelo professor, deixar de ser imaturo, assumir que já é adulto e definir o que deseja ser, o que gosta ou não de fazer, se quer ou não ser professor. Precisa empenhar na sua autoformação e autonomia, descobrindo as potencialidades que tem, pois, conforme afirma Alarcão (1996), “só o conseguirá se reflectir sobre o que faz e sobre o que vê fazer.”


Como requisito básico para ser um professor reflexivo, a autora ressalta a vontade, ou seja, o livre desejo, a energia e intenção próprios de cada profissional docente, de praticar algum ato diante de qualquer oportunidade, que venha a efetivar as mudanças necessárias:


“É possível ser-se reflexivo? É desejável ser-se reflexivo? Para onde vamos com a nossa reflexão?


É possível, mas difícil. Difícil pela falta de tradição. Difícil eventualmente pela falta de condições. 


Difícil sobretudo pela falta de vontade de mudar.” (ALARCÃO, 1996:186)

Assim, parece imprescindível e urgente ter vontade de transformar a prática docente, de repensar a formação inicial e continuada de professores, assim como a postura ética dos professores e as suas atitudes profissionais, para que consigam atender às novas demandas da sala de aula. Entende-se que, uma vez identificadas algumas das dificuldades gerais dos docentes, a falta de domínio das competências para o trabalho, além da pobreza conceitual e curricular  dos programas atuais da formação, o professor pudesse “armar-se”, preparando-se para melhor desempenhar suas funções, através de atitudes e saberes que o auxiliariam a agir de forma reflexiva, autônoma e inovadora nas complexas e incertas situações da sua classe. 


A realidade educacional contemporânea, mostra que só através do comprometimento com a educação e de seus sujeitos com a dinâmica social rumo à democracia, se poderá proporcionar aos indivíduos o acesso aos conhecimentos, a mudança em suas ações, a formação para a cidadania e a igualdade de direitos entre as pessoas. No processo de mudança, o compromisso, a vontade, a participação, a inovação e a competência são fundamentais nas condutas dos envolvidos em qualquer reforma educativa. As mudanças na formação inicial e a modificação na postura do professor, exigem por parte desse, segundo Dewey (1989), abertura de espírito, responsabilidade e empenho ao que se pretenda alterar e transformar.


As questões acerca do desenvolvimento da identidade pessoal e profissional do professor, analisados por Nóvoa(1995) e Alarcão (1996), entre outros, ajudam a compreender que o processo de formação implica em crescer e inter-relacionar-se nessas duas dimensões, sendo que para desenvolver e interagir o docente precisa entre outros aspectos, de investimentos pessoais, criatividade, entusiasmo, responsabilidade, reflexão pessoal e profissional, predisposição e motivação para mudanças, que darão estrutura para a formação da identidade pessoal e profissional do professor. 


Desse modo, pode-se dizer que a formação do aluno e a do professor-formador dependerão, principalmente, de seu interesse e de sua vontade de trabalhar refletindo, avaliando sua prática, investindo na construção contínua de sua  identidade  pessoal e profissional, que vão implicar no reforço e estimulação para o trabalho reflexivo e autônomo. 


Entende-se que se a formação inicial, tal como se constata, contribui para que a prática pedagógica desse professor não seja eficaz; então é preciso não só repensá-la, como também propor novas condições para uma formação continuada mais eficiente, a partir da realidade existente. Essa formação não deve visar apenas o acúmulo de conhecimentos do professor, mas, conforme explica Estrela (1992), é essencial a mudança de suas atitudes, “(...) por novos hábitos de rigor e de cientificidade, que lhe proporcionem um distanciamento na análise dos fenómenos que o envolvem e sobre os quais terá de actuar. Ora, só a iniciação na investigação lhe permitirá operar essa mudança de atitudes.” 


Nota-se assim, que o professor deverá buscar sempre a continuidade na sua formação, para suprir as deficiências da mesma, mas, buscando no saber científico, a base para conhecer, classificar, analisar e contextualizar as informações adquiridas. É fundamental no processo de formação, que o profissional da educação faça reflexões profundas sobre os saberes pedagógicos, experienciais, científicos e profissionais, assumindo a responsabilidade de seu próprio desenvolvimento pessoal e profissional. Espera-se portanto, que esse constitua-se num processo de inovação, trazendo como benefícios ao professor e à educação, a promoção de mudanças pessoais, profissionais e institucionais; a afirmação dos valores do professor; o trabalho em grupo; as trocas de experiências e o diálogo, que são decisivos na socialização e na emancipação profissional dos professores. 


As novas tendências de formação de professores apontam a escola como colaboradora na formação do cidadão, com igualdade de direitos ao proporcionar o acesso aos conhecimentos. A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Nº 9.394, de 20/12/1996, no artigo 2º, estabelece que “a educação (...) tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” BRASIL(1996). Envolve, portanto, o desenvolvimento das dimensões pessoal, técnica, humana e política dos professores e alunos, implicando que a educação e, especificamente, a formação de professores visem o desenvolvimento das múltiplas capacidades do indivíduo.


Desse modo, o professor foi concebido, neste trabalho, como um formador, facilitador da aprendizagem, que deve desempenhar, conforme orienta Schön (1995), basicamente, três funções: a) abordar os problemas que a atividade coloca, b) escolher na sua ação os procedimentos formativos que são mais adequados à personalidade e aos saberes do aluno e c) tentar estabelecer com ele uma relação propícia à aprendizagem. Este processo, pressupõe a formação dos professores por competência, que segundo Cró (1998) e Nóvoa (1991), tem em seu ponto alto, o processo de desenvolvimento pessoal, que o próprio educador e o aluno devem impor-se, para que adquiram, progressivamente, maturidade emocional, autonomia, competência, equilíbrio contínuo das relações interpessoais, e especialmente, as de professor-aluno.


Entende-se por competência profissional, o que Perrenoud (1999, p.7), define como a “capacidade de agir eficazmente em determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles". É o poder e a habilidade que o indivíduo desenvolve de analisar, de encontrar, de resolver problemas, de reunir, de reconstruir, de reler e de reaprender muito mais do que a partir de uma informação, saber ou conhecimento inicial. A competência vai além dos conhecimentos e proporciona ao indivíduo, a oportunidade de mobilizar, atualizar, extrapolar ou produzir saberes e situações diversas, sem terminar numa  única maneira ou opção, "... é uma capacidade de produzir hipóteses, até mesmo saberes locais que, se já não estão 'constituídos', são 'constituíveis' a partir dos recursos do sujeito" . 


Desse modo, quais seriam as competências a serem desenvolvidas pelo professor? São muitas as propostas e possibilidades de se organizar e caracterizar os conhecimentos profissionais a serem adquiridos e desenvolvidos pelo professor para que atuasse eficientemente. 


Neste trabalho, optou-se pela organização dos conhecimentos propostos pelos "Referenciais Curriculares Para a Formação de Professores", da Secretaria de Educação Fundamental – Ministério da Educação (1999), que sugerem aos cursos brasileiros de
formação de professores, garantir cinco âmbitos de conhecimentos com igual importância:  a) Conhecimento sobre crianças, jovens e adultos; b) Conhecimento sobre a dimensão cultural, social e política da educação; c) Conhecimento da Cultura geral e profissional; 
d) Conhecimento pedagógico; d) Conhecimento experiencial contextualizado em situações educacionais.


Considerou-se que, embora fossem assim explicitados, estes saberes  profissionais, eles estão intimamente ligados, não têm vida própria e se inter-relacionam na formação e  na atuação dos professores, não se vinculando à nenhuma disciplina ou área exclusiva. 
Não desmerecendo os demais saberes acima especificados, o foco de análise desse estudo, recaiu principalmente no Conhecimento Pedagógico, que deve ser entendido como crítico e dinâmico, como uma das competências que o professor precisaria dominar e desenvolver, procurando identificar as possibilidades de implementação, considerando o ponto de vista e a realidade na qual irá intervir. 


Dessa forma, quais são os aspectos que contemplam a amplitude dos saberes pedagógicos que o professor deveria adquirir, construir e produzir? Novamente recorre-se à organização dos “Referenciais Curriculares Para a Formação de Professores” que, no âmbito dos Conhecimentos Pedagógicos, sugerem os seguintes aspectos: 


a)    Currículo e desenvolvimento curricular - são os conteúdos da formação profissional dos professores: teorias do conhecimento; diferentes concepções de ensino e aprendizagem; fundamentos em relação aos objetivos educacionais, conteúdo, metodologia e avaliação; critérios e formas de selecionar, organizar e tratar didaticamente os conteúdos em função dos objetivos propostos; possibilidades de uso de recursos didáticos; função do livro didático; e todas as questões relacionadas ao desenvolvimento curricular propriamente dito.


b)    Questões de natureza didática, geral e específica  -  são “aquelas que podem contribuir para a tarefa de tematizar a educação, a relação ensino-aprendizagem, entender seu funcionamento e as variáveis que nele interferem, reconhecer a validade das intervenções pedagógicas e respectivas implicações na aprendizagem dos alunos” (BRASIL,1999): conhecimento sobre as didáticas específicas; processos de aprendizagem do aluno; os conteúdos de ensino e os princípios metodológicos; conhecimentos que permitem a compreensão das variáveis formais e não-formais de ensino e aprendizagem (transposição didática e contrato didático ou regras gerais da escola que regulam as relações e condutas dos alunos e professores entre si e com o conhecimento e as atividades escolares); a relação entre conteúdo e formas de ensiná-lo; formas de organização do espaço e do tempo; modalidades organizadoras dos conteúdos escolares; relação entre o propósito didático e os objetivos de realização pessoal do aluno; trabalho de interação em grupo; formas de equilibrar o difícil e o possível para o aluno nas situações de aprendizagem; propostas que favorecem a inclusão dos  estudantes portadores de necessidades especiais; função da intervenção pedagógica na aprendizagem; critérios de escolha e oferta de materiais, instrumentos de planejamento, de avaliação, de registro de trabalho e de observação dos alunos.


c)    Avaliação: concepções; finalidades; instrumentos; modalidades; saber como os alunos aprendem; quais são os melhores instrumentos para avaliar; quais as variáveis que podem interferir na avaliação; uso adequado da avaliação; avaliação de metodologias, do ensino, da escola e da própria avaliação.


d)    Interação do grupo: saber agrupar; possibilidades de interação centradas nos conhecimentos dos alunos, desenvolvimento cognitivo e características pessoais.


e)    Relação professor-aluno: compreensão da natureza da relação; autonomia  intelectual para refletir sobre o que faz e sobre as conseqüências.


f)    Conteúdos de ensino: domínio dos conteúdos; conhecimento do objeto de ensino que vai possibilitar a transposição didática; conhecimento dos temas transversais ao currículo: ética, meio ambiente, saúde, pluralidade cultural, sexualidade, trabalho, consumo, entre outros temas; conhecimento sobre a  natureza e dos debates atuais sobre eles; consciência dos valores e concepções que veiculam em suas aulas, quando se relacionam com os alunos e outros integrantes da comunidade; a forma como se trabalham essas questões.


g)    “Procedimentos de produção de conhecimento pedagógico: possibilitar que todo professor aprenda a investigar, sistematizar e produzir conhecimento pedagógico, por meio de observação, análise, formulação de hipótese e construção de propostas de intervenção e avaliação” (BRASIL,1999). 


Portanto, além dos saberes humanos, científicos, culturais, técnicos e experienciais, são basicamente esses os conhecimentos pedagógicos que o professor deveria dominar. 


Para que esses saberes e os demais sejam úteis ao profissional reflexivo, esse precisa atuar, como indica Schön (2000), de forma inteligente, flexível e contextualizada, “produto de uma mistura integrada de ciência, técnica e arte, caracterizada por uma sensibilidade (...), uma criatividade(...)”, que permita ao profissional, agir em situações variadas, complexas e indeterminadas. A formação de profissionais professores com aquelas competências, poderia ser efetivada nos cursos de formação inicial, permitindo situações práticas, nas quais o aluno-formando pudesse entender e vivenciar durante todo o período de graduação, a realidade complexa e dinâmica da sala de aula. 


A partir de suas experiências, o estudante poderia, juntamente com seu professor-formador, refletir sobre o que observou e o que viveu. Essa orientação poderia ajudar o aluno no seu processo de construção ativa do conhecimento na ação, que Alarcão (1996) chama de "reaprender a pensar", e que Piaget (1970), denominou de “aprender a fazer fazendo”. A aquisição desses conhecimentos na ação que, por natureza, são inseparáveis e inerentes às ações de alunos e professores, poderiam complementar os demais âmbitos do conhecimento (humanos, científicos, técnicos, pedagógicos...) que o docente também precisaria dominar. É nesse contexto de ensino-aprendizagem que Schön (1995), sugere o desenvolvimento e a construção do conhecimento na ação, ao mesmo tempo que se exercita a reflexão na ação, a reflexão sobre a ação e, finalmente, a reflexão sobre a reflexão na ação. 


Acredita-se que na profissão docente, esses conhecimentos seriam melhor adquiridos e organizados, a partir do curso de formação inicial, ampliando-se depois, nas atividades de educação contínua. O professor-formador reflexivo, precisaria valorizar e considerar suas vivências de aluno e sua história de vida, refletir sobre suas práticas por meio da observação e das situações didáticas, reais ou simuladas, pois, desse modo, poderia desenvolver a intuição, as relações interpessoais, a autoformação, a construção de conhecimentos teóricos, técnicos e experienciais. Esses fatores devem favorecer o exercício autônomo e comprometido com as funções profissionais, que acontecem numa realidade imprevisível que, normalmente, é a sala de aula. 


A partir de sua formação por competências, o docente orientar-se-ia pela ação e reflexão, construindo-se como profissional reflexivo. O professor-formador deveria ter em mente que a formação contínua exige a sua aprendizagem, de modo integrado com a mudança de suas ações educativas. Essa mudança, conforme os autores já citados, passa pela reflexão na ação, a partir da própria ação e após a ação. Para Cró,


“ Esta é uma tarefa complexa, pois que há que ter em conta o que é relevante para o formador e para a formação que quer fazer e o que é relevante para o formando que tem a sua própria história pessoal, os seus projetos, as suas expectativas. Mas é do encontro destes dois atores (formador e formando) que pode, talvez, encontrar-se a melhor forma de pôr em execução um projeto de formação contínua, atendendo a que a aprendizagem não é concebida da mesma forma por todos os indivíduos e sabendo que existem correlações entre condições de aprendizagem, processos e produtos de aprendizagem. É importante, portanto, que o formador tenha em conta as condições dos professores/educadores a propósito da sua própria aprendizagem, até para compreender como é que os conhecimentos provenientes da formação e da prática podem articular-se. E, por outro lado, que tenham em atenção quais as suas concepções de mudança de prática.”  CRÓ (1998, p.130).


Para se efetivarem transformações na prática educativa, é fundamental que o professor tenha uma concepção de ensino que irá diferenciar sua ação. Uma das atividades do educador é o ensino e, segundo Pérez Gómez (1998, p. 81), ensinar “é uma atividade prática que se propõe dirigir as trocas educativas para orientar num sentido determinado as influências que se exercem sobre as novas gerações”.  Assim, para desenvolver um ensino reflexivo, o professor precisaria sempre se questionar, estar aberto às novas idéias e avaliar suas ações, para que sua orientação às novas gerações fosse mais segura e eficaz, proporcionando um ensino que facilitaria o processo de, “(...) transformação permanente do pensamento, das atitudes e dos comportamentos dos alunos/as, provocando a comparação de suas aquisições mais ou menos espontâneas em sua vida cotidiana com as proposições das disciplinas científicas, artísticas e especulativas, e também estimulando sua experimentação na realidade”.  


A atividade prática do professor deveria ser percebida como fonte de conhecimento através da experiência e da reflexão, integrando as competências, apreciando a própria habilidade no agir, dialogando com a própria ação e aceitando os desafios e dificuldades que ela provoca. O referido autor diz que a ação “deve assentar-se sobre o bom julgamento ilustrado pelo saber e apoiar-se num senso crítico e ético que seja capaz de apreciar o que convém fazer, o que é possível e como fazê-lo dentro de determinadas circunstâncias”. Tais considerações induzem a se pensar de outra maneira a questão primordial dos estágios, já que, de certa forma, os cursos de Pedagogia têm imposto a eles, outras funções diferentes destas concepções discutidas aqui.


Nesse contexto, o professor poderá orientar com segurança a prática de ensino ou o “estágio supervisionado” do aluno, que é uma das oportunidades para que este se faça na formação. O professor deveria proporcionar situações em que o estudante se confrontaria com circunstâncias reais ou imaginárias, cujas soluções poderiam implicar na reflexão do aluno, na elaboração de hipóteses e vivências nas quais ele, possivelmente, cometeria “erros” e conscientizar-se-ia dos mesmos, de forma que  o educando sentisse  necessidade da colaboração dos outros e de aperfeiçoamento constante.  


Dessa forma,  a prática de ensino poderia  provocar a mudança nas formas de pensar, sentir, agir e atuar das novas gerações de educadores, formando-os mais críticos, criativos, autônomos e comprometidos com o processo educativo, conforme aponta Alarcão:
“Esta situação de prática orientada, que tem como principal objectivo uma iniciação à profissão, não se pretende que seja - é preciso dizê-lo - uma imitação do mestre, mas um espaço de verificação de alternativas possíveis para agir em situação. (...) Envolve uma estratégia pessoal, heurística, em que a experimentação e a reflexão como elementos autoformativos desempenham um papel de primordial importância e assenta na idéia de que ninguém pode educar o formando se ele não se souber educar a si próprio.” ALARCÃO (1996).


Quanto aos conteúdos de ensino, foram entendidos, neste trabalho, com significado dinâmico, numa perspectiva de construção social, levando-se em conta a sua concepção histórica e cultural. Assim, entende-se que os conteúdos de ensino são, conforme os define Gimeno Sacristán, “ (...) todas as aprendizagens que os alunos/as devem alcançar para progredir  nas direções que marcam os fins da educação numa etapa de escolarização, em qualquer área ou fora delas (...) mas também aos efeitos que se derivam de determinadas atividades, que é necessário praticar para obter aprendizagens variadas como as mencionadas.”  (GIMENO SACRISTÁN,1998, p.150).
Entende-se que o currículo reflete a sociedade onde ele está inserido e adquire sua forma: da sociedade provêm os conteúdos que são considerados fundamentais ao processo educativo, porque dessa sociedade, origina-se toda a cultura. 


Desse modo, os valores e a ética do educador colaborarão na escolha e definição dos conteúdos do ensino que serão considerados adequados à escolaridade do aluno e às atividades sociais que são determinantes das profissões. 

As professoras que participaram da pesquisa...
Participaram deste trabalho 25 professoras da modalidade de Educação de Jovens e Adultos, das Secretarias Municipais de Educação de Paracatu (quinze professoras),  João Pinheiro (cinco professoras), Unaí (três professoras) e Guarda-Mor (duas professoras).
Essas cidades ficam localizadas no noroeste do Estado de Minas Gerais. 


A faixa etária das docentes variava entre 23 e 48 anos. A experiência na sala de aula variava entre dois e quatorze anos. Todas era pedagogas graduadas em diversas instituições de ensino superior brasileiro, sendo dez habilitadas em universidades federais e quinze em faculdades particulares, no período compreendido entre 1985 a 2000. Dentre as professoras, nove haviam concluído o curso de especialização Lato Senso em Psicopedagogia. 


Essas professoras foram contratadas pelas instituições públicas através de concurso ou de contratos temporários. As classes eram formadas com estudantes da alfabetização, primeira, segunda, terceira ou quarta séries do Ensino Fundamental ou com salas multiseriadas e a maioria dos alunos eram do sexo feminino, idade entre quatorze a setenta anos. De modo geral, a situação financeira da maior parte dos estudantes era bem precária e alguns estavam desempregados. 

Os caminhos percorridos...
As pesquisadoras optaram pelo paradigma qualitativo de pesquisa, por acreditarem que as indagações sobre a produção de conhecimentos nesse enfoque seriam adequadamente aplicáveis à prática educativa. 


A coleta de dados aconteceu de março a novembro de 2001, através da observação participante, entrevistas semi-estruturadas, não-estruturadas, questionários e análise documental, desenvolvidas por dezessete alunos que cursavam a disciplina "Educação de Jovens e Adultos", durante o sétimo e oitavo períodos do curso noturno de Pedagogia, da Faculdade do Noroeste de Minas - Finon, em Paracatu, MG. 


Após orientações e treinamento para coleta de dados, cada uma das autoras desse estudo e cada um de seus alunos, observaram quatro horas-aula de cada professora da EJA, durante 37 semanas, somando 150 horas por cada observador. Obtiveram portanto, um total de 2.850 horas-aula observadas, incluindo as destinadas às avaliações e eventos extra classe. Cada observador fez uma entrevista estruturada, uma semi-estruturada, além da aplicação de um questionário para cada professora da EJA, totalizando 19 entrevistas estruturadas, 19 entrevistas semi-estruturadas e 19 questionários.


Um dos motivos de se pesquisar lançando mão da abordagem qualitativa, foi por considerar que as pessoas agem em função e de suas crenças e seus valores, determinando comportamentos que não são facilmente interpretáveis. Na tentativa de “desvendá-los” é que se buscou a investigação naturalística que proporcionou, neste estudo, um enfoque interpretativo da ação docente, com a intenção de investigar como se dava a prática pedagógica dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental na EJA.


Esse enfoque, permitiu situar a ação pedagógica das professoras pesquisadas na sua realidade social, dinâmica e em constante modificação. A partir da compreensão de que “a realidade social é uma criação histórica, relativa e contingente, do mesmo modo que se constrói pode se transformar, reconstruir ou destruir” (Pérez Gómez, 1998, p.102). Entendeu-se, também, que o cotidiano das professoras e alunos estava inserido nessa dinâmica social e que, para interpretá-lo, as investigadoras deveriam considerar as múltiplas realidades que se inter-relacionavam na sala de aula.


Considerou-se também que, nas classes, os acontecimentos sociais eram “malhas” complexas de dados subjetivos e objetivos e, por esse motivo, tentaram levar em conta a importância das características observáveis relacionadas à prática pedagógica das professoras observadas, assim como a interpretação subjetiva que docentes e alunos faziam dos mesmos fatos. 


A investigação foi caracterizada por uma visão holística, entendendo-se que, para perceber o significado das condutas, deveria partir das inter-relações que surgiam dentro do contexto, nesse caso, as inter-relações professor-aluno, bem como os processos comunicacionais e o seu cotidiano.


O enfoque interpretativo que se preferiu como estratégia de investigação foi o da abordagem mista, indutiva-dedutiva, por entender que se produzia “constantemente uma interação entre as teorias (..) de trabalho e os dados, os enfoques e os acontecimentos”(Pérez Gómez, 1998, p.106), dando oportunidade às pesquisadoras e seus colaboradores, de entenderem a complexidade dos acontecimentos, refletirem sobre eles e descrevê-los durante os processos de coleta e análise de dados, deixando que dimensões e categorias de interesse surgissem de forma livre, flexível e progressiva. 


Outra justificativa para a escolha da abordagem interpretativa, partiu da informação de ser pequena a quantidade de investigações sobre a formação de professores, através da observação direta de sua prática no contexto da sala de aula, especificamente no ensino universitário. 


Embora autores e pesquisadores, tenham diversificado seus estudos científicos sobre a formação de professor, tais como: estudos de caso, análise de depoimentos, relatos de experiência, estudos teóricos, pesquisa histórica, pesquisa-ação, análises documentais, entre outros, Marli Afonso de André (2000), a partir de levantamento de dados realizados sobre o período de 1990 a 1998, no Brasil, divulgou serem pouquíssimas as pesquisas de campo que lidaram diretamente no ambiente natural. No balanço da referida pesquisa divulgada, sobre a distribuição dos trabalhos realizados, segundo a abordagem metodológica, foi ressaltado que, do total de 410 dissertações e teses sobre formação de professores, somente 31 se propuseram a fazer análise da prática pedagógica, através de observação e entrevista e realizaram-se apenas 9 (nove) estudos etnográficos. Dessa forma, pode-se verificar o pequeno número de trabalhos realizados na sala de aula, não atingindo 10% (dez por cento) do total das pesquisas nesse âmbito.


Assim, evidenciou-se, tanto pelo resultado do presente trabalho quanto pelos dados sobre a formação de professores no Brasil, no período de 1990 à 1998, além de outros, a necessidade de se colocar em questão, através das pesquisas, a prática pedagógica dos professores, identificando as problemáticas próprias da situação, buscando e propondo possíveis soluções. 


Marli André (2000), apontou como possíveis causas para o número reduzido desses trabalhos, “as dificuldades de realizar observações, em ambiente natural e num período prolongado de tempo.” Pode-se afirmar que tais aspectos, foram confirmados durante a realização dessa investigação, ou seja, foi exigido das autoras desse estudo, além das aulas que ministravam e outras atividades inerentes à docência, muito tempo para orientar os colaboradores, para fazer os registros, a descrição e as transcrições dos dados durante e após as observações; acompanhar o trabalho do grupo; fazer entrevistas e observações durante toda a investigação, conciliar as atividades de pesquisa, de estudo e de trabalho com a família.

Os resultados encontrados...
Os resultados desta pesquisa confirmaram que a formação nos cursos de Pedagogia, nos quais se habilitaram as professoras da EJA, participantes deste estudo, não contribuíram de modo satisfatório para que elas se desenvolvessem como profissionais eficientes, reflexivas e autônomas, preparadas para atuarem nas complexas situações da sala de aula, num mundo globalizado, cada vez mais exigente. Essas professoras, habilitaram-se em cursos de formação inicial, orientados por modelos tradicionais de ensino, moldes ainda vivos nas instituições educacionais. 


Este quadro põe em debate, de modo geral, a concepção tradicional de educação, a função da Instituição de Ensino Superior, a redefinição dos saberes pedagógicos, no que refere ao currículo, à didática, à avaliação, às questões da teoria e da prática, à interação do grupo, à relação professor-aluno, à metodologia, aos conteúdos de ensino e à produção de conhecimentos pedagógicos que vêm norteando o trabalho escolar no ensino superior, além dos aspectos atuais da profissão docente.  


Este debate faz-se necessário, porque, apesar das muitas discussões sobre as diversas dimensões da formação, constatou-se que os processos de formação inicial eram desvinculados e descontextualizados das necessidades sociais e dos alunos, além da desarticulação entre o conhecimento adquirido e a prática das professoras pesquisadas. Nesse sentido, notou-se grande discrepância e incoerência: apesar da maioria das docentes da EJA adotarem um discurso escolanovista, suas práticas pedagógicas e atitudes para com os alunos eram tradicionalistas, comprovando que, de um lado, tinham um quadro teórico, atualizado, que apontava a elas, oportunidades de transformarem suas ações e, de outro, um quadro real, com educadoras, currículo e escola, extremamente arraigados ao trabalho convencional. 


Essas educadoras dominavam apenas os saberes básicos profissionais, sendo que umas sobressaíam-se em relação às outras e em determinados aspectos. De forma geral, o domínio das competências que deveriam ser desenvolvidas na formação inicial e contínua das docentes da EJA, era insatisfatório quanto aos conhecimentos: sobre os alunos; sobre a dimensão cultural, social e política da educação; os conhecimentos da cultura geral e profissional; as vivências e experiências educacionais e o conhecimento pedagógico.
Especificamente, quanto aos saberes pedagógicos, verificou-se que as professoras, em sua maioria, mostravam-se autoritárias; indiferentes, incoerentes com seus valores; omissas em suas funções e consideravam-se a fonte principal de reprodução de informações. 


Na maior parte do tempo, suas práticas pedagógicas eram desvinculadas da realidade; as metodologia de ensino adotadas eram a exposição oral; a teoria era desarticulada da prática e os conteúdos de ensino consistiam nas matérias organizadas rigidamente no currículo. 


O relacionamento das professoras com os alunos era instável: algumas vezes assumiam a postura de amigas, confidentes, conselheiras, ouviam os problemas familiares, sociais e financeiros dos alunos. Noutras vezes, o relacionamento era frio, "mecânico", distante e sem afetividade.


A avaliação era usada para medir, controlar e pressionar os alunos, e consistia na cobrança do "decoreba" das matérias descritas nos livros e cartilhas adotadas, nas anotações do caderno copiadas do quadro negro. 


Os recursos didáticos usados pelas professoras da EJA, resumiam-se no uso do quadro negro e giz, aulas expositivas que repetiam os textos dos livros, poucos cartazes, alguns trabalhos retirados de revistas ou enciclopédias, mas em geral, eram pobres, poucos, sem variação, sem inovação e sem criatividade. 


Praticamente não utilizavam dinâmicas, artes, técnicas didáticas, jogos, recreação, brincadeiras como instrumentos de aprendizagem e algumas professoras tinham uma explicação para essa situação: "O jovem e adulto é muito diferente. Eles não gostam dessas coisas... são tímidos e isso é coisa para crianças!" Muitas vezes, as práticas pedagógicas das professoras de EJA da realidade pesquisada, pareciam ser dirigidas pelo comodismo e seus planejamentos "pela atividade mais prática, mais fácil e menos trabalhosa..."


Diante dessas circunstâncias, estavam os alunos, jovens e adultos, que por sua vez, esperavam que as professoras lhes transmitissem os conteúdos, “ensinassem-lhes" o que fazer, como, quando e ao final de cada bimestre se foi bom ou não o seu desempenho, medido através das notas das provas aplicadas. A maioria dos alunos participavam pouco das aulas, não conversavam muito, pareciam tímidos. Outros mostravam-se imaturos, indisciplinados, arrogantes, debochados, desatentos, desrespeitavam os colegas e as professoras, e uns às vezes, apareciam bêbados,  drogados ou até espancados para assistirem às aulas. Noutras vezes, os sentimentos que prevaleciam entre os estudantes eram de insatisfação, de desânimo, de insegurança, de pobreza e de muita carência...

O que fazer para superar essa tensão?
A partir desse contexto complicado, evidenciavam-se o desânimo e a desmotivação explicitados, tanto pelas professoras da EJA, quanto por seus alunos, o que de certa forma até era compreensível. Diante desse quadro “des-educativo” e decepcionante, pergunta-se: O que fazer para superar essa tensão vivida por professoras e alunos na sala de aula? 


Por mais angustiantes que possam ser algumas dessas circunstâncias do cotidiano dessas professoras e seus alunos, é fundamental acreditar que existe saída para a situação. 


Difícil? Sim. Talvez muito... mas é possível! Sobretudo se quem estiver envolvido neste contexto, tiver vontade de mudar.
É fundamental entender que não dá para mudar tudo de uma só vez. Mesmo porque, conforme se verificou neste trabalho, o cenário para uma "nova" profissão docente ainda parece não ser necessidade e referência para todas as professoras e alunos. 


É importante aceitar que as novas mudanças são lentas, exigem calma, tolerância, perseverança e longo prazo para se efetivarem. Além de que, é no exercício permanente do “aprender-fazendo”, que se faz, erra-se e refaz-se para aprender. Progressivamente, a partir da maturidade e do interesse dos envolvidos no processo educativo é que torna-se possível introduzir a metodologia da formação reflexiva.


Neste sentido, abre-se um parêntese especial, para referir-se e ressaltar os poucos momentos brilhantes de cada professora participante desta investigação, que às vezes, mesmo sem se dar conta, conseguiram estar à caminho de serem competentes, críticas e reflexivas!


Esses momentos foram aqueles em que elas, preocuparam-se com as dificuldades e problemas expressos pelos estudantes; que variaram sua ação didática; que arriscaram outras formas de avaliação; que questionaram a baixa estima do aluno, que proporcionaram entre professor-aluno, momentos agradáveis e alegres; que erraram e procuraram aprender a aprender com seu erro; que procuraram trocar idéias buscando outras formas de pensar e que, apesar de todo o esforço, ainda não conseguiram deixar entrar a “iluminação” necessária para produzirem mudanças significativas em sua práticas. “Aquelas” professoras... sim! Precisavam de muito mais apoio, aplausos e reconhecimento, pois naqueles momentos, mesmo que com ações e gestos “não perceptíveis” ao olho humano, elas ainda conseguiam ser a “luz no fim do túnel” para seus alunos.


Entende-se que, para superarem-se as dificuldades encontradas, é preciso repensar a formação inicial e contínua, propondo diferentes condições para o desenvolvimento de uma formação mais eficiente, que atenda às necessidades existentes. Elas apontam para uma formação baseada no desenvolvimento de competências visando a formação do professor, como um profissional reflexivo, inovador, ético e autônomo.


É preciso, também, contar com professores que acima de tudo, tenham vontade, sabedoria e bom senso para saber que decisão tomar e queiram investir na profissão de professor, empenhando-se com responsabilidade na sua formação.


É importante que os educadores que acreditam na formação reflexiva e criativa, continuem a se “movimentar”, no sentido de rejeitar as concepções que impõem pacotes curriculares previamente fabricados; de buscar maior coerência entre teoria e prática;  reformular de programas; estabelecer novas interações entre os administradores da IES, os coordenadores e professoras; articular grupos interdisciplinares; definir novas funções para os professores-formadores e os aluno-futuros-professores; incentivar os alunos a usarem e adotarem a pesquisa na sala de aula, como a metodologia do aprender fazer-fazendo; formar grupos de estudos sobre a formação do professor, a prática pedagógica e os diversos assuntos relacionados com a educação; entender a formação inicial e contínua num mesmo processo de desenvolvimento pessoal e profissional; valorizar a ação educativa; elaboração de projetos de formação inicial e continuada para os formadores e para os alunos; colaborar para a construção da Pedagogia como ciência; participar nas discussões sobre o código de ética da profissão e atuar nos debates sobre a profissão do professor, entre outros.


Entende-se que aquele contexto e suas conseqüentes dificuldades, precisam ser compreendidas, mas devem ser exploradas e absorvidas por docentes, funcionários da educação e administradores, no sentido de servirem de alavanca para a reflexão de sua prática. Somente refletindo-se sobre o que se faz é que se tem condição de ter atitudes conscientes, optar pela definição filosófica de homem, mundo e educação que sejam mais adequadas para dirigir, organizar e transformar a ação pedagógica, tornando-a compatível com o contexto educativo atual.


Essa transformação deve atender às necessidades da sua profissionalização, visando o desenvolvimento de suas competências, para que a professora possa alcançar um conhecimento no conjunto que seja amplo, sistêmico e holístico do contexto ensino-aprendizagem. Assim, poderá definir com segurança, que procedimentos são mais adequados para se obter melhor desempenho dos alunos, aproveitando de forma criativa, as infinitas potencialidades humanas, de modo que, ao cumprir suas funções, o docente contemple as dimensões técnicas, sociais, políticas, afetivas e éticas, formando-se a partir da integração desses parâmetros .


As competências a serem desenvolvidas devem ser pensadas como aprendizagens constantes, promovendo o desenvolvimento da autonomia profissional e pessoal, que implica a interiorização das responsabilidades próprias do ser professor. A atitude questionadora e o pensamento crítico docente, incentivando os alunos a problematizarem o conhecimento, a compararem as diferentes visões de mundo e as verdades de cada um, devem ser os guias para as tomadas de decisões. Só assim, os professores terão condições de modificar, orientar e adequar os alunos, num modelo de formação que seja coerente com o  que ele adota em sua atuação. 
Desse modo, a formação desenvolvida na perspectiva crítico-reflexiva deve ser a indicação maior a ser usada pelas professoras, para conseguirem “quebrar” a rotina de sua prática e mobilizarem sua ação, construindo-a diariamente. Nesse sentido, o profissional reflexivo deve ser inovador, criativo e autônomo. A inovação requer algo novo, que implica  criar, correr riscos, ensaiar com vários argumentos e opções, desenvolvendo a capacidade de improvisação e experimentação. 


Assim, a inovação, a criatividade,  a autonomia e a reflexão, exigem caráter e pensamento holista, participativo, que promove a investigação sobre a ação, na qual se encontram os fatores cognitivos, culturais, sociais e emocionais, mobilizando o que está dentro e fora da escola, desenvolvendo, na professora e nos alunos, as competências de intervenção, integrando-os em processos cooperativos de formação na ação e enriquecendo os vínculos interpessoais durante o trabalho. Apesar de difícil o processo, faz-se assim a formação... começando por cada um de nós!

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